Jamie Dornan: ‘Ainda estou pagando penitência desde o estouro de bilheteria de Cinquenta Tons de Cinza’

Por Jonathan Heaf
29 de outubro de 2021

Do estouro de bilheteria de Cinquenta Tons de Cinza ao tumultuado drama em preto e branco Belfast, Jamie Dornan garantiu atuações coloridas e com convicção, não importando o objetivo da missão. Sobre as possibilidades na carreira, as críticas e na vida após a sua recente perda, o mais recente protagonista de Kenneth Branagh, reflete sobre as suas quatro décadas até hoje e delineia suas ambições para sua próxima…


Jamie Dornan move-se pelo requadro. Especificamente, através da moldura da janela de um pequeno restaurante japonês em Stroud, cidadela no oeste da Inglaterra que já foi famosa por suas fábricas de lã, rios sinuosos e as ovelhas supostamente fotogênicas. Não está nem tão sonolento quanto letárgico. Há uma loja vendendo cristais energéticos e uma loja de roupas vintage de nome “Time After Time” (Tempo Após Tempo). É nostálgico.

Ninguém aparenta estar com pressa, ainda menos o homem que estou encontrando no momento. O ator, tão bonito quanto tua mulher pensa que ele seja, está andando altivo, fazendo de conta que dá umas disparadas: um braço estendido, o outro dobrado como o de um arqueiro, enquanto ambas as mãos e o dedo indicador apontam para o vidro do restaurante. Bang! Bang! É muito Trinity mirar em Matrix, mas, você sabe, mais paizão.
Ainda assim, mesmo que eu não conhecesse um tantinho o Dornan – nós nos conhecemos há 16 anos, ambos como novatos em nossas respectivas aventuras, ambos vestindo jeans desbotado e Calvin Kleins branco, um de nós um tanto quanto mais bem sucedido do que o outro – eu garanto que ele preferiria este tipo de boas-vindas.

Ele passa através da porta, dando-me um grande e envolvente abraço de urso, um tapinha nas costas, um sorriso de um milhão de dólares, uma sacudidela de ombros e uma risada calorosa e cúmplice. Ele é o melhor-amigo distante de tempos atrás, retornando de um rolê no exterior de quem eu nunca pensei que estava sentindo tanta falta, o garoto da casa ao lado com olhos de boneco que desistiu do rugby, teve uma grande oportunidade e agarrou o bilhete premiado para uma carreira vitoriosa.

O menino é de ouro. Embora seu brilho não seja intocável e cintilante – do tipo que Timothée Chalamet tem enquanto desliza por Cannes como um soldado de tropa de choque da moda dentro de um colã de Haider Ackermann – tanto quanto um calor visível e exotérmico. Lembram-se do homem de “Ready Brek” dos anúncios quando éramos crianças? Não? Ele era um avatar de massa de modelar em stop-motion que brilhava como um cinzeiro comemorativo de Chernobyl depois de comer seu mingau de marca. Bem, esse é o Dornan. Ele tem uma calidez verdadeira: dá para ver a central de aquecimento pelo lado de fora.

Hoje, o ator norte-irlandês de 39 anos que está vestido exatamente como um ator protagonista deveria se vestir para um encontro casual, no início do outono numa segunda-feira com um membro da imprensa: uma camiseta larga da cor de um lençol branco que esteve na máquina de lavar ciclo de enxágue quente juntamente com um saquinho de chá dentro; tênis que não é da moda; calças cáqui-bege apertadas o bastante para poder visualizar suas panturrilhas, tipo Peloton, visivelmente tonificadas se assemelhando a um casal de cobras pítons que engoliram bolas de tênis. Ele também está endossando uma jaqueta azul-cobalto perfeitamente (e genuinamente) desgastada, além de um boné de baseball azul-marinho surrado, algo que ele irá girar na cabeça e usar ao contrário – ao contrário! – logo após chegarem nossas tigelas de sopa de macarrão com frango picante. É uma aparência que poucos pais de quase 40 anos conseguiriam ter fora de suas próprias academias: pense mais no barista de Dalston por meio de um galerista Mayfair especializado em Pokémon NFTs desencaixotados.

“Você gosta de (miojo) Lámen e afins?” ele me pergunta enquanto nos sentamos. Nós deveríamos ter nos encontrado em Londres e darmos umas voltas pelo Hyde Park, mas vendo a previsão do tempo de ontem achei um pouco menos molhado dar uma passeio de trem e fazer uma boquinha pelas bandas dele. “Para ser honesto com você, este é um lugar razoavelmente recente. A novidade de que em Stroud teria um restaurante Japonês… bem, causou um burburinho, se me permite te contar.”


O Dornan, sua esposa – a compositora Amelia Warner – e suas três filhas (todas com menos de dez anos) vivem há vários anos pertinho de Stroud. “Na verdade isso foi logo depois de terminarmos os filmes de “Fifty Shades”. Tínhamos apenas um desejo de sair por completo da cidade. Tínhamos uma casa perto da estrada em Cotswolds, mas de luxo. Nós ainda temos um lugar em Londres e podemos fazer bom uso dele. A mudança fora da cidade foi pelas crianças, na verdade. Você não nota o trânsito ou a má qualidade do ar de Londres quando você está lá, mas percebe a ausência disso uma vez fora de lá. Além disso, você já viu quantos aplicativos de m*rda você precisa para estacionar em Londres?”

Propriedades, a poluição do ar, os aplicativos de estacionamento: este é o auge do bate-papo com papai. E em seguida falaremos de Scoby de Kombuchá. Mas ele é assim: alegre, caseiro, humilde. Nenhum enclave de estrela do cinema, com muros altos e cães de segurança para o Dornan; ele é um membro orgulhoso e acessível desta comunidade rural. Quando ele e sua esposa se mudaram, bilhetinhos manuscritos foram jogados em sua caixa de correio, convidando-os para jantares, umas bebidas e cafés noturnos.

Se parece mais com um mundo no qual Richard Osman invocaria, mas para o Dornan é mais genuíno, mais como ele, do que ficar tentando acompanhar indefinidamente os outros através da cortina de fumaça. Quanto aos convites da vizinhança, ele os aceitou, de bom grado.

“Algo nos dizia que os proprietários anteriores não gostavam muito dessas coisas. Nós abraçamos tudo aquilo.” Tanto é verdade que o Dornan chegou ao ponto de criar um time local de futebol para os pais. “Eu achava que estava tão em forma quanto os demais pais, mas quando voltamos da Austrália há cerca de dois meses, tendo ficado por lá cinco, seis meses, e meus dois joelhos me abandonaram totalmente nos primeiros minutos.”

Dornan esteve recentemente na Austrália gravando The Tourist, série da BBC/HBO, que parece ser uma mistura de duelo de Steven Spielberg e Memento de Christopher Nolan – está causando um burburinho razoável. No entanto, esta não foi sua última viagem ao exterior, já que ontem à noite ele desembarcou de volta à Grã-Bretanha vindo de Portugal.

“Não foi a trabalho, na verdade. Eu e minha esposa conseguimos ter três noites sem as crianças – é algo que fazemos todos os anos, o que é um alívio. Embora eu estivesse na praia ontem e só me restavam 20 minutos para fazer todas as coisas relativas a Covid: formulários de localização/saúde de passageiros, impressão dos passaportes de vacinação e assim por diante. Foi a coisa mais estressante pela qual já passei. Acabei tendo que matar o banho e, sem roupa de baixo limpa, entrei no avião e fiz toda a viagem no automático até a minha casa. Não se preocupe, eu já estou limpinho, embora ainda tenha sal no cabelo.”

Dornan voltou correndo para casa para falar comigo sobre, só para começar, seu último filme, Belfast, recentemente adiado o seu lançamento para o início do próximo ano (2022). Escrito e dirigido pelo patrimônio nacional Kenneth Branagh, o filme é uma retrospectiva semi autobiográfica da época em que o diretor crescia na Irlanda do Norte.

A história do filme começa em 15 de agosto de 1969, semanas após o pouso na lua e no mesmo dia em que os distúrbios da capital irlandesa chegaram à varanda da casa de Branagh. O devaneio cinematográfico é caprichoso, quase glamuroso em comparação com muitos outros filmes feitos sobre esta era na história irlandesa; filmado em um rico preto e branco, Branagh e o seu megawatt na habilidade de contar histórias emocionantes são acionadas com força total ali, permitindo-nos considerar este período da história de uma perspectiva nova e muito pessoal.

Se você não sabia que Branagh era irlandês, então entra na fila então: ele deixou o país aos nove anos e se mudou para Reading, na Inglaterra, evitando assim o pior dos Conflitos. No entanto, durante a pandemia do ano passado, quando tantos de nós estávamos trancados em nossas casas, sem poder ver os membros da família, Branagh se pegou pensando em suas raízes e no prisma pelo qual todos definimos “casa”.

Dornan interpreta “Pa”, o pai de Buddy, o guia, e o menino que luta contra a violenta divisão religiosa que está, literalmente, destruindo sua rua. (As pedras do pavimento foram usadas como morteiros manuais e para as barricadas, deixando os residentes locais pisoteando toda areia e cascalho debaixo dos pés.)

Dornan discretamente, mas de forma convincente, preenche esse papel, um papel que exige que o ator mantenha suas emoções controladas e tenha todos os traços masculinos profundamente enraizados de um trabalhador irlandês do final dos anos 1960 – estóico, duro, silencioso, mas quase miticamente heróico aos olhos de seu filho. A diligência e moderação de Pa são usadas como um contra – a voz da razão, se assim você quiser – contra o terror, confusão e inocência de Buddy em meio ao caos que se desenrola.

“Eu não o conhecia de antes”, explica Branagh quando peço que explique por que pediu a Dornan para fazer o papel, “mas achei que ele era um protagonista natural. Ele não está interessado naqueles pontos comuns que podem brilhar e ser atraentes. Eu particularmente gostei dele atuando no filme Antropóide que foi um tanto desvalorizado; ele tem um modo irresistível em repouso, na qual ele pensa e reflete. Às vezes, atuar é sobre um truque de fisionomia, mas principalmente sobre trazer sua vida interior para a câmera.

“Há uma fala quando o Jamie, como Pa, está atrás de seu pai, que morreu, e ele explica a Buddy que seu avô ‘era um pensador muito profundo’. E sempre achei que isso também valia para o Jamie. Ele te surpreende por ser algo bem mais intrigante do que sua beleza excepcional. Ele foi minha primeira e única escolha para o papel.”

“Essa qualidade de ser interessante e discreto – combinava com o que precisávamos para o nosso homem de Belfast, o tipo que não se importa e compartilha. Ele é durão… sim, esportivo… sim, charmoso… sim, mas ele também abraça sua vulnerabilidade ou pode lidar com ela com alegria. Ele fica feliz em se despir de suas camadas e fica inseguro quando faz uma apresentação. Ele caminha em direção a esse medo. Isso é incomum. ”

‘MEU PAI FOI UM BALUARTE DE POSITIVIDADE
NA MINHA VIDA, TANTA ENERGIA BOA
EM ESTAR AO SEU REDOR. ESPERO SEGUIR COM ISSO ‘


Branagh, talvez sem surpresa alguma, seja um excelente observador. Enquanto converso com o Dornan, fica claro: este homem não está se fechando. Ele não é inflexível nos seus pensamentos ou opiniões. Ele tem uma curiosidade genuína sobre o cinema e a indústria, com certeza, mas também sobre a paternidade, a fama e a escassez de gasolina na Grã-Bretanha. O ator gosta de deglutir opiniões, especialmente as suas. Há um ponto de interrogação de maneira positiva na maneira como ele encara o mundo, é a nossa sensação.

É o que Branagh vê quando nos descreve o Dornan como sendo reflexivo: “Oh, Jamie pode ser a vida e a alma da festa”, continua o diretor, “mas muitas vezes durante as filmagens ele se sentia confortável mantendo-se a uma certa distância. Ele é independente dessa maneira. Provavelmente é por isso que ele não é tão bom no golfe: grande foco e concentração. Há uma citação famosa feita pelo grande amigo do ícone do cinema irlandês James Cagney, Pat O’Brien. dizendo: ‘Sim, James é um cara adorável, mas é um cara distante’. Há algo sobre o fato do Jamie ser carismático e distante. Como diretor e como espectador, isso atrai as pessoas até ele.


Sem sombra de dúvida o Dornan carrega um peso no peito. Algo que mencionamos algumas vezes durante nossa conversa sobre a trágica morte de seus pais: sua mãe quando ele tinha apenas 16 anos e seu pai, um renomado obstetra e ginecologista, muito mais recentemente. “Perdi meu pai este ano para a Covid”, explica ele. “Ele foi um baluarte de positividade na minha vida, uma energia tão boa para se estar por perto, [e] espero eu possa continuar assim. Mas sua morte foi bastante brutal. Eu estava em quarentena em um hotel em Sydney com toda a minha família, tendo ainda três dias de quarentena pela frente no dia em que ele morreu, sem poder sair dessa p*rra de quarto. E eu não o via desde o Natal de 2019, como tantas outras pessoas… Terrível pra c*ralho. Mas ele teve um papel muito forte sobre nós quando mamãe morreu, sobre não sermos definidos por uma perda como essa; absorvendo-a o tempo todo, honrá-la e respeitá-la, mas não deixando que seja a primeira coisa que as pessoas pensem a seu respeito. Mas agora que ele se foi, o que você podemos fazer a não ser tocar a vida?”

Trágico como isso possa soar, Dornan sabe como seu pai era orgulhoso de sua trajetória. “Ele costumava me dizer isso o tempo todo. Você têm cenas em filmes onde o pai não diz a coisa certa no final da vida para o filho, mas meu pai não, nos elogiava o tempo todo. Eu me sinto muito sortudo por ter tido isso, apesar de tê-lo perdido.” Foi a perda de sua mãe, na verdade, que indiretamente possibilitou a Dornan sair de sua zona de conforto e tentar se tornar modelo.

“Eu tinha saído da universidade, tinha 19 anos e naquele verão não estava fazendo nada, a não ser beber absurdamente o dia todo em Belfast”, explica ele. “Minha família estava preocupada por eu estar tão sem rumo, eu acho, então minha irmã me convidou para um programa de TV, Model Behavior, onde você poderia ganhar um contrato de modelo com a Select e aparecer na capa da GQ. Eu estava tipo assim, ‘Ser modelo? Cai fora! ‘Mas ela me deu um puxão e daí eu arrastei meu amigo junto. Então, fui a contragosto, mas aquele foi meu pé-na-porta, a janela para tudo o mais que me aconteceu. Eu não ganhei (o programa). Mas então tomei meu rumo para Londres e me apresentei, sem ser chamado, aos escritórios da Select e fui contratado. E cá estou eu 19 anos depois, finalmente na capa da GQ. Por que vocês demoraram tanto?

Portanto, ignore aqueles olhos de cachorrinho pidão: há uma ambição contundente dentro do Dornan. “Aos 21 anos, eu estava fazendo algumas grandes, grandes campanhas – era um grande negócio – ganhando um bom dinheiro, mas como nunca considerei a vida de modelo como carreira, acho que não me deixei afetar muito por isso”. Qual foi a sensação de ser chamado de “The Golden Torso” (“Peitoral Dourado”) pelo New York Times ou de “Kate Moss masculina”, como você ganhou esse apelido naquela época? “Ainda não sei ao certo o que deveria pensar sobre isso! É uma indústria diferente para as mulheres; você não pode ser a Kate Moss masculino. É o único setor em que os homens ganham significativamente menos do que as mulheres.”

Você seria perdoado por pensar que o Dornan sempre teve um pouco de vergonha de ter sido um modelo masculino. “Eu não adorei”, ele admitiu, calmamente. “E ainda não gosto de tirar fotos. Eu acho estranho. Acho que não é uma coisa natural de acontecer. Não é divertido ouvir continuamente que você tem que mexer a sua cabeça como se estivesse num torlo. ‘Queixo para cima. Queixo para baixo…’ Mas me considero sortudo, apesar disso.” De que modo? “Bem, eu nunca tive que fazer passarela de moda. Eu não conseguia ter que lidar com outros modelos masculinos, aquela hiper-energia.” O que tem eles? “Bem, eu não sei… quero dizer, qual é o substantivo coletivo para um bando de modelos masculinos? Mas eu lutei com, digamos, essa energia. Há muita vaidade e parece idiota pra c*ralho. Muita tolice. Sempre que eu saía de um encontro ou conhecia uma garota em um bar ou qualquer outra coisa, eu dizia que era um jardineiro paisagista ou trabalhava para o Google – qualquer coisa, menos admitir que tirava fotos para ganhar a vida.”

Eu entendo, ninguém quer ser o tipo de cara que admite ser bonitão “Olha, eu acho que me ajudou a ficar confortável, ou desconfortável, em frente a uma câmera”, ele admite.

Os labirintos profundos do Dornan tem sido muito visitados até agora. É sem dúvida foi o que contribuiu para que a estrela recebesse vários papéis, incluindo o de Christian Grey na adaptação do livro de EL James, Fifty Shades Of Grey.

Eu me pergunto como o ator agora olha para trás para aquela experiência transformadoramente arrebatadora? Antes de ser anunciado como o protagonista, a carreira do Dornan estava bem encaminhada, tendo conquistado público e crítica com o papel do serial-killer Paul Spector da série dramática da BBC The Fall. Será que ele achou que assumir um papel tão polêmico quanto Grey poderia ser um risco? Ele se preocupou com que a recepção deste papel, de alguma forma, prejudicaria sua reputação?

“Tem que haver uma certa aceitação quando você atua, aceitar trabalhos, que talves você não terá controle sobre algumas coisas”, explica Dornan. “Mas você sabe no que está se metendo e passei muito tempo pensando se devia assumir o papel em Cinquenta Tons. Às vezes, você pode ser agradavelmente surpreendido; às vezes você pode ficar amargamente desapontado. Pegar esse projeto [e] você sabe, muitas pessoas irão odiá-lo – odiá-lo – antes mesmo de vê-lo. Por que? Por que, adivinha? A maioria das pessoas odiava os livros. E não estou dizendo que eu não reconheço o porquê desses livros terem sido tão poderosos para milhões de pessoas, mas você não vai ter livros que foram terrivelmente criticados e depois transformados em filmes, e que serão aclamados pela crítica. Você está lidando com o mesmo material. Essa é a matéria-prima que tínhamos.”

Então, Dornan sabia da pontuação antes que as críticas chegassem? “Aí sim. Eu entrei sabendo disso. Mesmo assim, foi uma grande oportunidade.” Uma oportunidade para quê? Fama? Dinheiro? Algum tipo de experimento artístico autoflagelante? “Jamais esquecerei que The Guardian fez esse longo material sobre Cinquenta Tons – foi logo depois que The Fall ter sido lançado e eu fui indicado para um Bafta, um grande momento em minha carreira – sobre indicação e sobre a escolha devastadora para a minha carreira. Portanto, o consenso inicial de ‘má escolha’, por assim dizer, estava muito claro para mim nessa narrativa.”

Ele se arrependeu em algum momento de ter aceitado a franquia? “De modo algum, não. Quero dizer, eu entendi o que era o trabalho e as reações. Eu batalhei por isso por um bom tempo,” lembra. “Não foi uma decisão onde eu estava dividido e que tomei por capricho. Perdi de primeira para o Charlie Hunnam e senti um certo alívio quando ele conseguiu o papel, sendo bem honesto. Eu pensei, ‘Isso teria sido divertido, mas teria sido uma viagem esquisita. Melhor não estar nesse rolê.’ Mas ele desistiu e então recebi um telefonema. Daí eu entrei. E lá fomos nós. Eu tive que me confrontar com aquela escolha novamente.”

‘NÃO HOUVE NENHUM DANO À MINHA
CARREIRA POR PARTICIPAR DE
UMA FRANQUIA DE FILMES
QUE GANHOU MAIS DE $ 1 BILHÃO’


Pergunto novamente: então, nada de arrependimentos? Porque parece que ele ficou hesitando um pouco na sua resposta anterior. “Olha, vamos colocar desta forma: não fez mal à minha carreira fazer parte de uma franquia de filmes que arrecadou mais de US$ 1 bilhão. Todo ator em carreira diria a mesma coisa. Ela me deu – muito. Não há vergonha em dizer que transformou minha vida e a vida de minha família financeiramente. Estou muito, muito grato por isso e sempre serei. E os fãs adoraram. Kevin Maher [o crítico de cinema] do Times não gostou – grande surpresa! Mas eu discordo de que a coisa tenha sido apenas uma piada. Todos os envolvidos trabalharam ao máximo que puderam nesses filmes, inclusive eu.”

Atores dizem que nunca lêem a imprensa ruim – com exceção de Owen Wilson, que brincou/não brincou sobre o recente retorno do SNL que ele só lê a imprensa bacana – mas todos nós sabemos que isso não é verdade. Dornan pode não ser um homem prático o suficiente para instalar uma prateleira na sua casa (“Eu pensei que um nível de espirituoso (spirit) fosse tipo de jogo para beber…”), mas é honesto o suficiente para admitir que lê os textos que detonam assim como todos os que contêm elogios.

“Lembro-me bem de alguém que foi muito prestativo ao colocar todas as piores partes dos filmes Cinquenta Tons em uma única postagem no Instagram. Eu adorei isso. Um resumo do Christian Science Monitor – Só Deus sabe por que eles estavam recordando isso – se destacou, no entanto. O post dizia: ‘Dornan tem todo o carisma de um holograma’. Isso foi lá um pouco duro, pensei comigo mesmo. ”

Brincadeiras à parte, as críticas machucaram – e ainda machucam. A realidade de decidir beber de um cálice envenenado como a franquia Cinquenta Tons, certo ou errado, é que sempre será um ponto de referência para algumas pessoas no que diz respeito à carreira do Dornan. Haverá sempre uma nota de rodapé. O ator tem perfeita ciência disso.

“Quer seja A Private War, Anthropoid, Belfast ou o que quer que venha a seguir, o discurso da imprensa será sempre,‘ É a melhor coisa que ele fez desde Cinquenta Tons ’. Como se eu ainda precisasse provar algo a mim mesmo; Ainda estou pagando uma penitência por essa escolha que vai me arremessar de volta para onde eu estava antes. Olha, eu entendo e, para ser honesto com você, isso me estimula. Isso acende um fogo em mim. Se isso significa que as pessoas estão dizendo: ‘Oh, na verdade ele não é tão ruim’, então, que assim seja.”

A verdadeira batalha para o Dornan, ao que parece, não é tanto por causa dos outros, mas algo internamente. Vê-lo em Belfast, não só re-coloca o ator como o protagonista mais empolgante da Grã-Bretanha, mas agora sendo alguém com sua história, alguém que nos seduz, mas também alguém que te atrai por aquela ambição oculta e borbulhante. Não é uma energia negra, como a emitida por um ator como Tom Hardy, digamos; é mais complexo, mais inteligente, mais afiado, mais atencioso, não um instrumento contundente como uma faca. Apesar de todo o charme, há uma precisão furtiva em Dornan. Para ser honesto, ele sempre teve, mas pela primeira vez ele está se permitindo ter orgulho dessa característica em particular.

‘SE NOS MEUS TRINTA ESTES TRABALHOS
SERVIRAM PARA ME FIRMAR, QUERO QUE NOS
MEUS QUARENTA SEJAM SOBRE
CONSTRUIR ALGO DURADOURO’

No ano passado, Dornan abriu uma produtora e já está escalando o elenco para seu primeiro projeto, um filme ambientado na Irlanda sobre a Rave Scene, “Eu mesmo passei um bom tempo em Belfast no ano passado”, ele me diz enquanto comemos o restante de nossas tigelas e planejamos sair e respirar o ar puro de Stroud e suas paisagens coloridas.

“Ir para ‘casa’, pensando no que Lar significa para mim, deu um bom hiato para eu pensar no que quero para os próximos anos. Eu vou fazer 40 anos muito em breve; deixa você em perspectiva, não é? Não tenho mais medo disso. Eu não sou o tipo de pessoa que tem um plano para cinco anos…” – dizem todos que têm um plano de cinco anos – “mas se nos meus vinte anos foram sobre começar essa carreira, modelagem, o começo da atuação, e meus trinta foram para me firmar, então eu quero que meus quarenta anos sejam sobre a construção de algo que vai durar.”

Uma pausa e com um dos mais desarmantes dos sorrisos: o ator dá uma risadinha, talvez captando o tom de sua própria seriedade. “Talvez eu esteja finalmente me tornando um ser humano responsável.”

E com isso, ele vai embora, de volta para sua jovem família e planos; a vida encantada de um sujeito distante mais charmoso.

Tradução por Carla Santelli.

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