Jamie Dornan retorna a ‘Belfast’, mas não sem as preocupações

Este drama, que concorre ao Oscar, transporta Dornan de “Cinquenta Tons de Cinza” para uma produção cinematográfica de prestígio, apesar de muitas coisas sobre o filme atingirem muito de perto a sua casa natal.

Por Kyle Buchanan
18.11.2021

Jamie Dornan enfiou os dedos na lareira, mexendo em alguns flocos de cinzas perdidos, em busca de algo pequeno no que se concentrar para não ter que pensar sobre o grande acontecimento que estava por vir no dia seguinte.
“Só espero que não joguem vegetais em nós e nem clamem pela guilhotina”, me disse o ator de 39 anos.

Era um dia antes o qual o novo filme de Jamie, “Belfast”, uma estória da transição do cenário Irlandês, ser exibido pela primeira vez na cidade da Irlanda do Norte que leva seu nome, uma cidade onde Jamie passou os primeiros 19 anos de sua vida. Esperavam-se que cerca de 1.500 pessoas comparecessem à estreia e Jamie nos previu como talvez a multidão da cidade se sentiria sobre um filme ambientado lá: curiosos, donos do assunto e rápidos para atacar se “Belfast” desse um único passo em falso.


“Nós podemos obter todas as ótimas críticas do mundo todo, mas, o que realmente queremos é que as pessoas de Belfast gostem deste filme”, disse Dornan, inquieto em sua poltrona. “Então, vai ser interessante amanhã à noite. Por Deus, vai ser emocionante! “


Essas ótimas críticas vindas do resto do mundo, não foram apenas hipotéticas: desde sua primeira exibição no Festival de Cinema de Telluride no final de agosto, “Belfast” recebeu tais reações afetuosas que muitos especialistas o consideram já favorito para o Oscar de Melhor Filme. Retratado a partir das experiências da infância do roteirista e diretor Kenneth Branagh, o filme acompanha Buddy (Jude Hill), de 9 anos, seu amado Pa (Dornan) e a protetora Ma (Caitriona Balfe), enquanto eles ponderam se devem ficar em Belfast depois que sua vizinhança explode em violência sectária.


“Belfast” é filmado em preto e branco, dirigido pelo cinco-vezes indicado ao Oscar e estrelado por Judi Dench como a mãe de Dornan; em outras palavras, fez um longo caminho desde a franquia “50 Tons de Cinza”, uma trilogia sexual ridicularizada pela crítica que transformou o Dornan em famoso, mesmo que este tenha carregado esse fardo nas costas. A última vez de Dornan no Oscar, foi como apresentador em 2017, sua própria presença foi um alívio para a audiência: aqui estava o cara bonito e frequentemente nu do blockbuster S&M que a maioria dos eleitores do Oscar não chegaria nem perto mesmo que sendo com um chicote de 3 metros.

E agora, anos depois, ele pode retornar à cerimônia como a estrela desse filme favorito.

Conheci Dornan no início de novembro no Soho Farmhouse, um clube de membros no interior da Grã-Bretanha; ele tinha vindo de carro de Cotswolds, onde mora com sua esposa musicista, Amelia Warner, e suas três filhas. Na lente, Dornan costuma se portar de maneira solene e firme, embora fora da tela, ele tem um raciocínio irlandês rápido e mal consegue ficar parado. Ele também é atrevido de uma forma tal que os papéis interpretados por ele nos filmes ainda não demostram isso totalmente: quando nos sentamos perto da lareira e encomendamos copos d’água, que nunca se materializaram afinal, Dornan brincou dizendo que levou em consideração me beijar “somente pelos meus fluidos”.

Os olhos de Dornan são tão azul-escuros que parecem ser só pupilas, emprestando a sua aparência imaterial à telona da qual seus papéis mais notáveis tiram grande proveito. Na série de suspense da Netflix “The Fall” e em “Cinquenta Tons de Cinza”, mesmo quando seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso, aqueles olhos ainda guardavam alguns segredos, enquanto na recente comédia “Barb e Star Go to Vista Del Mar” os olhos de Dornan pareciam mais como dois círculos de tinta, adequados para filmes de desenho animado com cenas ao vivo. “Belfast” distila seu olhar etéreo de todos os modos: quando a família de Pa é ameaçada, os olhos de Dornan se arregalam, feridos e então se endurecem em um olhar fixo.

“Acho que sua presença de tela é realmente capaz de transmitir o perigo, tanto com a preocupação da sua proximidade em potencial como também com a sua capacidade pessoal de o produzir”, escreveu Branagh por e-mail.

Cada vez que o jovem Buddy olha para seu pai, é como se ele estivesse contemplando o próprio sol e Branagh emerge em adoração ao seu herói, filmando Dornan em preto e branco como um ídolo literal da tela de prata que canta “Everlasting Love” na cena central do filme. Embora Pa seja baseado no pai de Branagh, Dornan imbuiu-o com as características de seu próprio pai, um homem que ele adorava enquanto crescia.

Dornan me avisa que ele pode vir a chorar se falarmos sobre seu pai; ele não faz isso, mas, é a única vez que ele fica completamente imóvel. O Dr. Jim Dornan era um renomado obstetra, ginecologista e presidente da instituição de caridade de câncer de pâncreas da Irlanda do Norte, além de ser o maior fã de Jamie. Ele estava tão ansioso para ver “Belfast” – seu filho estava contracenando com Dench, afinal – e então, em março deste ano, ele morreu de Covid-19. Ele tinha 73 anos.

“Ele foi o maior dos homens, tão gentil e maravilhoso e dedicou muito tempo, honestidade e respeito a todos que conhecia”, disse Dornan. “Há coisas que espero que tenham passado para mim e que eu estou realmente tentando assumir para o resto da minha vida. E muitos desses elementos eu definitivamente tentei inserir no Pa, porque eu pude reconhecer a bondade. ”


Dornan também estava ansioso para colocar dentro do seu personagem o que aprendeu em ser pai, coisas que você simplesmente não pode incorporar até que as experimente por si mesmo. Ele lembrou que em um de seus primeiros papéis importantes, como um assassino-em-serie em “The Fall”, o seu personagem precisava secar o cabelo de sua filha após o banho; Dornan ainda não tinha filhos e enxugou a cabeça da garota com tanta força que o criador do show teve que pará-lo.

Dornan adora contar histórias nas quais ele é o alvo da piada, uma característica que ele considera único de quem vem de Belfast. “Isso está em nossos genes, encontrar leviandade em momentos de dificuldade”, disse ele. E embora ele agora tenha vivido longe de Belfast por mais tempo do que tenha morado lá, muitas coisas sobre o lugar permanecem inatas.

“Quando você diz ‘casa’, você ainda quer dizer Belfast”, disse Dornan.


O diretor Kenneth Branagh disse que a “presença de Dornan na tela é realmente capaz de transmitir o perigo, tanto no sentido de preocupação como na sua proximidade em potencial, mas, também sua capacidade pessoal de o produzir”.

Dornan sai de Belfast quando estava prestes a completar 20 anos, três anos depois que sua mãe havia falecido de câncer no pâncreas. Ele havia passado por aquele espaço de tempo sentindo-se sem rumo e bebendo muito, até que sua irmã mais velha preocupada o inscreveu em um programa de reality como modelo e assim o fez.

Dornan não ganhou o programa, mas depois de se mudar para Londres, ele ainda cresceu rapidamente na categoria de modelo masculino, o que significa que posou com Kate Moss, namorou Keira Knightley e foi apelidado de “The Golden Torso” por este mesmo jornal. Antes da sessão de fotos de 2006 para o The New York Times, ele se lembra de ter ficado fora a noite toda. “Gostaria de dizer que amadureci desde então”, disse ele, “mas não tenho certeza se amadureci”.


Isso não é bem verdade. Metade da razão pela qual Dornan prosperou como modelo foi porque ele não se importava muito com isso; sua despreocupação foi o fator ´X´ que ajudou a vender até mesmo as roupas e os ensaios mais ridículos. Mas, para ter sucesso como ator, você realmente tem que se importar e você tem que se encontrar em você para continuar se importando, mesmo quando você joga para o alto uma audição, quando você perde o papel pelo qual teria matado alguém ou quando você se encontra como objeto de um público ridículo.

Dornan sempre quis atuar, mas estava com medo de começar a se importar com algo, então ele continuou como modelo até que começou a talhar. “Não acho que ficar parado lá, tirando fotografias de você seja interessante o suficiente para se fazer isso por várias décadas”, disse ele. “Se isso te satisfaz e você pode sinceramente deitar a cabeça no travesseiro e pensar: ‘Eu me sinto ótimo com o que estou fazendo’, então ótimo. Mas eu simplesmente não estava. Eu estava tipo, ‘Isso é uma m*rda’.”

Depois que ele passou a atuar e se permitiu de se importar, as coisas ficaram mais difíceis. Sua primeira audição foi interpretar um conde que chamou a atenção de Kirsten Dunst em “Marie Antoinette” (2006) e ele ganhou o papel imediatamente. Mas você não quer ler o perfil de um cara bonito que tropeça no sucesso aonde quer que vá, o que não é este o caso.

“Tive a sorte de começar nesse nível, mas mal trabalhei durante oito anos”, disse Dornan. “Foi essa coisa estranha de ver a cenoura e então a cenoura é subtraída e até as migalhas somem e você fica pensando, ‘Jesus, não havia uma cenoura aqui um minuto atrás?’”

Ele procurou por anos, tentando encontrar um projeto no qual poderia dar certo e mesmo quando ele conseguiu um papel regular na série como o xerife bonito na série fantasia da ABC “Once Upon a Time”, ele foi abruptamente morto após nove episódios. Dornan lembra de seus colegas de elenco comemorando a segurança no emprego de um programa que duraria sete anos, enquanto ele era expulso depois de três meses, desesperado para provar a si mesmo e ao mundo que ele realmente tinha algum valor.

Mas foi quando ele conheceu Warner, a quem ele credita como sendo uma influência estabilizadora em sua vida e carreira. E não muito depois de se casar, Dornan ganhou seu papel do assassino em “The Fall”, um show revolucionário que o colocou no radar dos executivos de elenco de Hollywood que estavam em busca do homem certo para interpretar um belo sádico.

Dornan se lembra de como ele considerava “Cinquenta Tons de Cinza” do lado de fora: Mas é claro que Hollywood estaria ansioso para transformar a série de livros excêntricos da E.L. James em uma franquia da telona, mas, ele imaginou que as pessoas fariam fila para destruir esses filmes, uma vez que eles fossem realmente produzidos.

“Então, de repente, você descobre que será o cara daqueles filmes”, disse Dornan.

Fazer o papel de Christian Grey ao menos proporcionou a ele um certo grau de segurança na finalmente conquistada carreira?

“Não”, disse Dornan, “por causa do pacote único de ‘Cinquenta Tons’, o qual apresentava ser um projeto muito difamado e os livros sendo o que já eram – como eram amados pelos fandoms e como eram duramente criticados pelos críticos. Isso é único em si só.”

Dornan sabe disso por causa de “Cinquenta Tons”, seus fãs mais fervorosos são mulheres e homens gays; quando caras heterossexuais pedem sua foto, ele ainda pode sentir seu ceticismo. “Eles sempre dizem: ‘Obviamente não é para mim, sou um cara heterossexual e tenho uma esposa’ ou ‘Eu tenho uma namorada e ela gosta de você, é por isso que está rolando a fotografia”, disse ele. “O que foi que eu fiz? três filmes de guerra? Você pensaria que isso poderia ajudar um pouco na minha causa em relação aos homens heterossexuais, mas provavelmente não. Acho que você precisa estar naquele mundo dos quadrinhos para realmente chamar a atenção deles.”


Nessa frente Dornan está tentando e tem tentado por um tempo (mesmo antes de “The Fall”, ele fez o teste para Superman, um papel que perdeu para Henry Cavill). Conseguir agora um papel de super-herói, lhe ofereceria a chance de retornar aos filmes de franquia, não como um recém-chegado desesperado em ter um ponto de apoio, mas como um ator estabelecido que provou o que pode fazer. E ele sabe que esse estreito caminho existe, porque Robert Pattinson conseguiu trilhá-lo, passando de galã de “Crepúsculo” a estrela de cinema independente com tal brio que ele voltou atrás e usou sua nova credibilidade para ganhar o papel-título no filme “O Batman.”’

“Eu estaria mentindo se não admitisse que me sinto como ele e o seu pessoal jogou muito bem”, disse Dornan sobre Pattinson, que é um amigo. “Tudo o que ele fez desde ‘Crepúsculo´ foi muito inteligente e bem trabalhado e esses filmes não teriam sido financiados sob seu nome se ele não tivesse estado nesses filmes que ganharam bilhões de dólares.”


Dornan fala abertamente sobre os filmes que está cobiçando e seu encontro com o diretor do Marvel Studios, Kevin Feige, sobre como vestir uma capa e meia-calça. “Sou mais ambicioso do que jamais deixei transparecer antes”, disse Dornan. Parte disso é se tornar um pai. “É como uma necessidade de entregar e prover, muito ao estilo homem-das-cavernas: Tenho que ser bem-sucedido para minhas preciosas pessoinhas. Além disso, desde que meu pai faleceu, acendeu esse fogo mais intenso dentro de mim, esse fogo intenso em querer ter sucesso. “

Esse desejo não é o de conquistar o amor daqueles que ele nunca teve. “Meu pai me dizia isso inúmeras vezes todos os dias da minha vida, então não estou procurando isso”, disse Dornan. “Mas por algum motivo, desde que ele se foi, tenho a estranha vontade de provar algo para mim mesmo, de deixar algum tipo de legado que seja impressionante.”

E agora que ele canalizou seu próprio pai, alguns outros heróis não deveriam estar à mesa?


ALGUNS DIAS depois desse nosso tempo no campo, participei de uma videochamada com Dornan para lhe perguntar como foi a estreia na sua cidade natal. Ele me disse que antes da sua ansiedade conseguir melhorar, ela foi ficando muito pior.

“Foi doido; eu realmente me senti fisicamente mal antes disso”, disse Dornan. Durante a meia hora que antecedia o início da exibição, enquanto estava sentado em seu quarto de hotel cercado por familiares e amigos, ele se sentiu tão nervoso que não conseguiu falar.

Mas depois que ele percorreu o tapete vermelho, ocupou seu lugar no Waterfront Hall e começou a assistir ao filme, as coisas mudaram. O público ouviu cada palavra e a energia foi estática. E sentado no meio do povo de Belfast, sua própria atuação finalmente se encaixou: “Foi a primeira vez que me assisti e eu não ficava pensando, ‘Deus, odeio meu rosto. Por que eu fiz assim? Meu nariz está realmente torto? Não deveria mais atuar?’”

Depois que o filme terminou e o público veio até ele para longas conversas sobre a Belfast e o “Belfast”, Dornan percebeu que estava realmente vivendo uma das melhores noites de sua vida. Também ajudou o fato de Branagh ter usado a sua introdução para dedicar essa exibição ao falecido Dr. Jim Dornan.
“Me mortifica o fato dele não ser mais capaz de ir nesta jornada comigo, mas a vida continua”, disse Dornan. “Como papai nos ensinou acima de tudo, você só precisa colocar um pé na frente do outro e seguir em frente.”

Fonte: NY Times, Novembro 2021.

Tradução: Carla Santelli, JDBR.

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